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28 de abril: Um dia que não pode ser esquecido*
20 nov 2016 Publicado em: Blog 0

Nem todos se lembram, mas 28 de abril tem um significado importante para os trabalhadores e as trabalhadoras do mundo inteiro. Desde 1985, por iniciativa do movimento sindical dos trabalhadores canadenses – e depois mundialmente -, celebra-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas dos Acidentes e das Doenças do Trabalho: Relembre os mortos – Lute pelos vivos!”

Por sua vez, desde 2003, na mesma data, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promove, também, o Dia Mundial para a Saúde e Segurança no Trabalho.

No Brasil, ambas as versões do 28 de Abril são celebradas, quase sempre dando destaque a um tema mais específico, de adoção universal, ou de escolha nacional, em função da agenda de preocupações que trabalhadores e suas lideranças mais representativas identificam como merecedoras de foco, visibilidade e ação. O “Dia Internacional em Memória das Vítimas dos Acidentes e das Doenças do Trabalho” foi oficializado no país por meio da Lei no. 11.121, de 25 de maio de 2005.

Neste ano de 2016, a OIT definiu como tema mundial “O Estresse no Trabalho – Um Desafio Coletivo”, e a divulgação do evento inclui o acesso a um documento-base, de 63 páginas, nos idiomas oficiais da Organização. Muitos eventos em nosso país irão enfocar o tema do “Estresse no Trabalho” enquanto desafio coletivo. Por certo um tema de elevada prioridade, que interessa a todos, em todas as profissões e em todas as atividades econômicas, e que tende a crescer em termos de frequência e gravidade, mormente em contextos econômicos recessivos, como o atual, em nosso país.

Paralelamente, o Fórum Sindical e Popular de Minas Gerais e o Fórum Nacional das Centrais em Saúde do Trabalhador, com o apoio de outras entidades estaduais e nacionais, elegeram para este ano o desastre ambiental de Mariana – MG como tema principal das celebrações. A escolha desse marcante tema amplia o alcance do conceito de “acidente do trabalho” e de “doença relacionada com o trabalho”, abrindo espaço, com muita propriedade, a uma agenda mais ampliada de preocupações vinculadas ao mundo do trabalho, na sua interface com as famílias dos trabalhadores e das trabalhadoras, e com as comunidades situadas no entorno dos empreendimentos produtivos. Muitas vezes acontece o contrário: os empreendimentos são instalados em áreas urbanas ou que já são habitadas, gerando conflitos não apenas de espaço físico, mas de graves impactos ambientais e sobre a saúde humana.

O recente desastre ambiental de Mariana, que teve as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton como diretamente responsáveis, produziu a morte de 16 trabalhadores (incluindo 12 terceirizados) e de duas crianças; o desaparecimento de um trabalhador; o fechamento de mais de 10 mil postos de trabalho; milhares de agricultores, comerciantes e pescadores sem trabalho; mais de um milhão de pessoas atingidas pelo acidente de trabalho, e a destruição da Bacia do Rio Doce, como é de amplo conhecimento público.

As dimensões do desastre de Mariana (novembro de 2015), com um leque tão ampliado e grave de impactos, caracterizaram aquilo que tem sido rotulado como acidente de trabalho ampliado, em proporções equivalentes – quiçá superiores – a tragédias como a da Baía de Minamata, no Japão (1956); ao incêndio de combustíveis na Vila Socó, em Cubatão (1984); ao vazamento de gás após explosão na planta química da Union Carbide, em Bhopal, na Índia (1984); à explosão nuclear em Fukushima, no Japão (2011), entre outras tragédias que não deveriam ser esquecidas.

Em todas elas foi estreita a relação de causalidade entre atividades de trabalho e grandes impactos sobre pessoas do entorno. “Somos todos atingidos” é a bandeira das celebrações deste 28 de abril, em Minas. As celebrações incluirão visita ao local da tragédia; a realização do “Seminário Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador e da Trabalhadora: desafios e perspectivas”, no dia 27 de abril, em Ouro Preto, e uma Audiência Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que será realizada na cidade de Mariana, no dia 28.

O dia 28 de abril foi escolhido pelo movimento internacional de trabalhadores para lembrar uma catástrofe de grandes proporções: em 28 de abril de 1969, uma explosão em mina de carvão do estado de West Virgínia, nos EUA, tirou a vida de 78 mineiros. Outras catástrofes ceifadoras de vidas de trabalhadoras e de trabalhadores, não somente naquele país, já haviam deixado os rastros indeléveis da morte em muitos outros dias do ano-calendário, antes de 1969, e depois daquele ano, e, infelizmente, até os dias de hoje.

No Brasil, de acordo com dados oficiais disponibilizados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, ocorrem por ano aproximadamente 700 mil acidentes de trabalho no Brasil, desde 2010. Em 2014, 704,1 mil acidentes do trabalho foram comunicados à Previdência Social, incluindo 2.783 mil óbitos e 251,5 mil afastamentos por mais de 15 dias. Seis em cada 100 mil trabalhadores morrem em cada ano, em decorrência de acidente do trabalho, e aproximadamente 16 mil se incapacitam permanentemente, por ano.

Por outro lado, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que 2,8% das pessoas entrevistadas em 2013, com 18 anos de idade ou mais, relataram haver sofrido algum acidente do trabalho, com interrupção temporária de suas atividades profissionais, durante o ano. Com base nessa proporção, os pesquisadores estimaram que o número de acidentes do trabalho em 2013 teria sido de quase cinco milhões.

Por certo, é menos complicado medir a ocorrência de acidentes do trabalho rotulados como “típicos”, pois, geralmente, são eventos “agudos”, bem caracterizados, e o estabelecimento de nexo causal com as condições e ambientes de trabalho não oferece grande complexidade.

Contudo, para o adoecimento relacionado com o trabalho, os quadros costumam ser mais lentos, mais disfarçados e mais sutis, poucas vezes típicos, e a falta de investigação sobre as condições e os ambientes de trabalho, presentes ou pregressos, faz com que raramente seja estabelecido o nexo causal entre o adoecimento e o trabalho. Aproximadamente 15 mil trabalhadores em cada ano recebem a caracterização formal de “doença relacionada com o trabalho”, embora se estime que a real incidência seja muito superior, não apenas entre os trabalhadores formais, segurados pelo INSS, como, também entre os trabalhadores não registrados, ou registrados em outros sistemas previdenciários.

Entre as doenças incapacitantes, geradoras de benefício previdenciário pelo INSS, destacam-se as doenças do sistema osteomuscular (LER/DORT) de membros superiores e de coluna lombar, seguidas pelos transtornos mentais e comportamentais. Este grupo contem os transtornos do humor (episódios depressivos e transtornos depressivos); os transtornos neuróticos, os transtornos de estresse pós-traumático e os transtornos ansiosos; os transtornos mentais devidos a substâncias psicoativas, e as psicopatias mais graves. Os transtornos mentais e comportamentais (Grupo CID F) tendem a crescer, e constituem o grande desafio para os próximos anos.

Como mencionado, a OIT elegeu para as celebrações do dia 28 de abril de 2016 o tema do estresse relacionado ao trabalho, entendendo-o como um grande desafio coletivo. Segundo o documento oficial da OIT para essa data, os fatores de risco psicossocial, tais como maior competitividade/produtividade, elevadas expectativas de lucros e exigências de longas jornadas de trabalho contribuem para um meio ambiente de trabalho cada vez mais estressante.

Além disso, prossegue a OIT, “como consequência da atual recessão econômica que está provocando um processo de mudanças organizacionais e de reestruturação, cada vez mais vertiginoso, os trabalhadores estão experimentando mais precariedade, reduzidas oportunidades de emprego, o temor de perder seu trabalho, demissões maciças, desemprego e uma menor estabilidade financeira, com consequências daninhas para a saúde mental e bem estar”.

Contudo, se por um lado, o lugar de trabalho constitui uma importante fonte de fatores de risco psicossocial, o trabalho pode, também, se constituir no local e na situação ideal para abordar esses fatores, e para proteger a saúde e o bem estar dos trabalhadores e das trabalhadoras, através de medidas que possam ter alcance coletivo. Aliás, o mesmo documento da OIT enumera e detalha um conjunto de medidas que poderiam ou deveriam ser desenvolvidas pelas organizações, com o propósito de prevenir o sofrimento no trabalho.

Conclui-se que na semana do 28 de abril (como em todas as semanas do ano) urge dar visibilidade nas agendas políticas, econômicas, técnicas e científicas a estas questões ainda tão negligenciadas. É importante, em primeiro lugar, lembrarmo-nos dos mortos que, na busca de ganhar a vida, perderam-na muito antes do tempo a que teriam o direito de usufruí-la. Não foi por acaso, mas por descaso de quem os contratou vivos e saudáveis, até fazendo exigências de higidez que não fazem sentido. Acidentes do trabalho não acontecem. São causados! Em segundo lugar, lutar pelos vivos, para que vivam muito, com saúde e alegria. E que Mariana não seja jamais esquecida. E nem o dia 28 de abril!

* René Mendes é médico especialista e professor de Saúde Pública e Medicina do Trabalho, com mais de 40 anos de experiência profissional, com atuação no Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde, Fundacentro e em organismos internacionais como a OPAS/OMS e OIT. É autor de livros referência nas áreas de medicina e patologia do trabalho.

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